quinta-feira, 12 de março de 2015

Corrupção, exclusividade da política

Foto: Do autor (08/10/2014)
O dicionário online Michaelis define corrupção como a ação ou efeito de corromper. Naturalmente, quem se corrompe é corrupto. A mesma fonte estabelece que o corrupto é alguém infecionado, podre, que prevarica e se deixar subornar. No papel o termo tem uma aplicação contextual bastante abrangente. No cotidiano as derivações de corrupção perdem o amplo significado e se restringem, na maioria esmagadora das vezes, aos desvios éticos de membros ou indicados de partidos políticos durante o exercício de funções públicas.

A corrupção na política é sempre um item recorrente em pesquisas de opinião em que sejam abordadoa os problemas existentes no Brasil. Corrupção dos políticos, evidentemente. Um grande contingente da sociedade não considera como corrupção uma série de irregularidades que são diariamente praticadas por qualquer pessoa. Ninguém ousa chamar de corrupto alguém que comete pelo menos um dos atos a seguir.

Falsificar carteira de estudante, contratar TV por assinatura pirata, prestar informações falsas ao fisco, comprar produtos falsificados, fraudar o ponto eletrônico, adquirir atestado médico fictício, pagar propina a agentes públicos e outras pequenas e médias infrações diárias.

O pensamento, até certo ponto comum, é que a corrupção na política provoca sérios prejuízos ao erário e os “pequenos” escorregões pessoais não prejudicam ninguém. É normal surgirem opiniões que tentam inviabilizar a comparação entre “pequenos” delitos e os vultuosos desvios de recursos públicos.


Por outro lado, é importante lembrar que cada corrupto faz o que está ao seu alcance. É tudo uma questão de oportunidade, caráter e impunidade. Qual a garantia que o ser humano que gratifica irregularmente um guarda de trânsito por 50 reais não agirá de forma desonesta quando tiver a chance de desviar dinheiro público?

Cabe uma reflexão.

sexta-feira, 6 de março de 2015

O último ato

Foto: Marcello Casal Jr. / Fotos Públicas (06/03/2015)
Seu Jorge Barbosa, 77 anos, solteiro e aposentado. Poucos amigos, sem nenhum herdeiro e nenhum parente próximo vivo. Levava uma vida melancólica que se resumia a comprar o jornal na banca da esquina, ir até a padaria e assistir televisão. No máximo trocava algumas palavras com meia dúzia de conhecidos que cruzavam seu caminho.

Em um certo dia estava no conforto de sua casa vendo a novela das seis. Durante o intervalo comercial foi exibido o anuncio de um cemitério da cidade que ele achou bastante interessante. O empreendimento vendia jazigos com condições bastante variadas, desde a compra a vista no boleto até o parcelamento em 36 meses.

Seu Jorge nunca tinha pensado que ainda não tinha um lugar para ficar depois que morresse. Decidiu anotar o telefone do empreendimento e logo após o final do anuncio da TV resolveu ligar. Foi muito bem atendido pelo vendedor Humberto que mostrou várias vantagens do cemitério como a presença de um serviço psicólogo para dar apoio emocional aos parentes e amigos. Não achou necessário pois não era muito querido por onde passava. Outra vantagem apresentada foi o velório virtual que é destinado as pessoas que não podem acompanhar a solenidade presencialmente. Seu Jorge dispensou esse serviço por ter medo que os gatos pingados que poderiam acompanhar o seu enterro ficassem em casa acompanhado toda celebração fúnebre pela webcam. Outras inutilidades foram prontamente ignoradas como a existência de lanchonete, sala vip e floricultura especializada. Apesar de não se importar pelos diferenciais apresentados, surgiu uma oferta e o consequente interesse.

O que fez o velho aposentado se interessar foi uma espécie de lado positivo da morte, pelo menos no que se refere ao produto principal do negócio, o defunto. O desenrolado vendedor falou do ótimo tratamento que o cadáver recebe no cemitério em questão. Tudo com carinho e atenção, além de ter o conforto de ser enterrado em um solo coberto com um belo gramado. O interesse foi tão grande que no outro dia o contrato estava fechado, faltava só pagar o boleto no banco.

A solidão vivida pelo aposentado foi o principal combustível pelo interesse. Sua maneira de ser o levou a ficar sozinho na vida. Sentia muito falta de ser ouvido e bem tratado. O vendedor Humberto deu a atenção que ele nunca mais tinha recebido. No dia seguinte Seu Jorge foi ao banco, raspou suas economias e de forma muito feliz pagou o boleto no caixa. Quando chegou em casa tirou o seu velho revolver da gaveta e deu um tiro fatal na cabeça. No bilhete de despedida informou que morria feliz por ter recebido a atenção que por muito tempo ficou esquecida. Antes de voltar para a vida triste de antes, preferiu cometer aquele ato brusco para ser novamente bem tratado no cemitério.


Assim Jorge Barbosa descansou em paz.

*Reedição do texto "Último ato" publicado originalmente em 17/01/2009 no extinto Blog do Pirula.