Foto: Marcello Casal Jr. / Fotos Públicas (06/03/2015) |
Seu Jorge Barbosa, 77
anos, solteiro e aposentado. Poucos amigos, sem nenhum herdeiro e
nenhum parente próximo vivo. Levava uma vida melancólica que se
resumia a comprar o jornal na banca da esquina, ir até a padaria e
assistir televisão. No máximo trocava algumas palavras com meia
dúzia de conhecidos que cruzavam seu caminho.
Em um certo dia estava
no conforto de sua casa vendo a novela das seis. Durante o intervalo
comercial foi exibido o anuncio de um cemitério da cidade que ele
achou bastante interessante. O empreendimento vendia jazigos com
condições bastante variadas, desde a compra a vista no boleto até
o parcelamento em 36 meses.
Seu Jorge nunca tinha pensado que ainda não tinha um
lugar para ficar depois que morresse. Decidiu anotar o
telefone do empreendimento e logo após o final do anuncio
da TV resolveu ligar. Foi muito bem atendido pelo vendedor Humberto
que mostrou várias vantagens do cemitério como a presença de um
serviço psicólogo para dar apoio emocional aos parentes e amigos.
Não achou necessário pois não era muito querido por onde passava.
Outra vantagem apresentada foi o velório virtual que é destinado as
pessoas que não podem acompanhar a solenidade presencialmente. Seu
Jorge dispensou esse serviço por ter medo que os gatos pingados que
poderiam acompanhar o seu enterro ficassem em casa acompanhado toda
celebração fúnebre pela webcam. Outras inutilidades foram
prontamente ignoradas como a existência de lanchonete,
sala vip e floricultura especializada. Apesar de não se importar
pelos diferenciais apresentados, surgiu uma oferta e o consequente
interesse.
O que fez o velho aposentado se interessar foi uma espécie de lado
positivo da morte, pelo menos no que se refere ao produto principal
do negócio, o defunto. O desenrolado vendedor falou do ótimo
tratamento que o cadáver recebe no cemitério em questão. Tudo com
carinho e atenção, além de ter o conforto de ser enterrado em um
solo coberto com um belo gramado. O interesse foi tão grande que no
outro dia o contrato estava fechado, faltava só pagar o boleto no
banco.
A solidão vivida pelo aposentado foi o principal combustível pelo
interesse. Sua maneira de ser o levou a ficar sozinho
na vida. Sentia muito falta de ser ouvido e bem tratado. O vendedor
Humberto deu a atenção que ele nunca mais tinha recebido. No dia seguinte Seu Jorge foi ao banco, raspou suas economias e de forma muito feliz
pagou o boleto no caixa. Quando chegou em casa tirou o seu velho
revolver da gaveta e deu um tiro fatal na cabeça. No bilhete de
despedida informou que morria feliz por ter recebido a atenção que
por muito tempo ficou esquecida. Antes de voltar para a vida triste
de antes, preferiu cometer aquele ato brusco para ser novamente bem
tratado no cemitério.
Assim Jorge Barbosa
descansou em paz.
*Reedição do texto "Último ato" publicado originalmente em 17/01/2009 no extinto Blog do Pirula.
Parabéns pelo texto Valmir. Muito bom.
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